Um olhar sobre as conquistas da eletromobilidade no Brasil e os desafios dos gestores de frotas e de mobilidade em um cenário de mudanças iminentes.
A adoção de veículos elétricos (VEs) nas empresas e no Brasil como um todo enfrenta vários desafios, mas também temos visto conquistas significativas nos últimos anos. E duas discussões recentes têm deixado o tema da eletromobilidade em destaque aqui e em todo o mundo: a implementação nas empresas de práticas de governança ambiental, social e corporativa (ESG) e a taxação da importação de veículos elétricos no País. Com a crescente conscientização da população sobre as mudanças climáticas e a necessidade urgente de reduzir as emissões de carbono, felizmente os VEs estão se tornando cada vez mais populares.
Para se ter uma ideia do cenário atual, entre janeiro e agosto de 2023, o Brasil registrou um recorde de vendas de veículos eletrificados, com 49.052 unidades comercializadas, representando um aumento de 76% com relação o mesmo período de 2022, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). Esse número representa cerca de 3,6% do total de veículos vendidos.
Estudos da BloombergNEF de 2022, analisando diversos países como Noruega, Coreia, China, Suécia, entre outros, indicam que quando o mercado chega a 5% das vendas totais de veículos, a demanda se acelera em virtude de já ter atingido os chamados early adopters, chegando então ao público convencional e, com isso, ganhando a escalabilidade.
E essas não são puramente Vendas Diretas. Não se sabe o número exato, mas considerando muitos cases anunciados, o volume dessas vendas tem grande representatividade nas frotas de empresas. Muitas foram as vendas de veículos urbanos de carga (pequenos caminhões) e veículos para a logística de última milha ou veículos adquiridos para carros de aplicativo.
Por esse motivo, acredito que a eletrificação no Brasil ganhará escalabilidade através das frotas e dos gestores de frotas e de mobilidade. Isso porque os veículos corporativos têm maior uso, maior gestão, maximizam os benefícios de redução de custo com manutenção e abastecimento e ainda reduzem as emissões. Considerando o uso de 65% do veículo mais as reduções de custo, o carro elétrico já é viável financeiramente.
"O carro elétrico é uma tecnologia que será a alternativa a diversas outras soluções de descarbonização"
Outra grande conquista para a eletromobilidade foi a implantação de uma fábrica da BYD no Brasil. A marca chinesa, que ultrapassou a norte-americana Tesla em venda de VEs, comprou a antiga fábrica da Ford em Camaçari e anunciou que investirá R$ 3 bilhões para produzir, em um primeiro momento, três modelos elétricos e um híbrido no Brasil.
A confirmação de que a BYD irá desenvolver um motor híbrido flex também foi muito bem recebida por nós, gestores de frotas e de mobilidade, porque nos permite ter um veículo movido a etanol e eletricidade, aumentando a autonomia e facilitando a introdução desses modelos em nossas empresas. Acredito que se trata de uma tecnologia adequada para escalar os veículos eletrificados no Brasil, visto o potencial do nosso etanol em contribuir para a sustentabilidade.
É importante lembrar que esses benefícios de redução de emissões da eletromobilidade são ainda mais relevantes no Brasil se comparado a outros países europeus, visto que nossa matriz energética tem geração de 84% de fontes renováveis, enquanto a média de outros países é de apenas 27%.
Cuidado com fake news!
Mas a eletromobilidade precisa ser entendida e não atacada como vem acontecendo em alguns debates na rede. Recentemente vi notícias falsas percorrendo grupos de gestores de frota. Diziam que “os carros elétricos pegam fogo muito fácil”, que “não existem oficinas para reparo”, que “grandes montadoras não investem porque não veem futuro no carro elétrico” ou que “o Brasil não tem disponibilidade de energia para recarga” etc.
Cuidado para não acreditar nessas informações falsas! Carros elétricos pegam fogo sim, mas 17 vezes menos do que os carros a combustão. Precisamos melhorar as redes de oficinas nesse ponto, mas muitas já estão preparadas para atender, além das concessionárias próprias dos veículos elétricos.
E todas as grandes montadoras já anunciaram programas de investimento em carros elétricos. A Toyota, por exemplo, está investindo em híbridos flex plug-in, desenvolvendo elétricos e anunciou uma tecnologia de baterias sólidas que pode dar autonomia para um VE de até 1.200 km com carga de dez minutos. Considerando ainda que as recargas ocorrem principalmente à noite ou em horários fora do pico de energia, temos, sim, energia disponível, e a recarga ainda ajudará a equilibrar as perdas do sistema elétrico brasileiro.
"É verdade que, apesar do crescimento significativo, a adoção de VEs no Brasil ainda enfrenta vários desafios"
É verdade que, apesar do crescimento significativo, a adoção de VEs no Brasil ainda enfrenta vários desafios. Um deles é a respeito da legislação. Na Europa, cerca de 30 países se comprometeram a acabar com as vendas de carros a combustão a partir de 2035. Muitos desses países já oferecem isenção de impostos de propriedade, de pedágio, subsídio para compra, além de livre circulação em faixas exclusivas.
No Brasil, estamos indo na contramão, com o retorno da taxação de importação dos VEs, que pode representar um atraso ainda maior para quem quer adquirir esses modelos. Além disso, o programa Mobilidade Verde (antigo Rota 2030) ainda não foi revisado, adiando o anúncio de um programa que realmente traga benefícios para a mobilidade sustentável no Brasil.
Outro desafio são os preços altos dos veículos elétricos, um obstáculo para muitos consumidores no Brasil. Mas diversas marcas chinesas fizeram um trabalho relevante de baixar os valores de seus carros, e isso levou as montadoras brasileiras a também reduzirem seus preços.
Há analistas que apostam que as marcas chinesas continuarão baixando os preços com o objetivo de entrar no mercado brasileiro, e é onde deposito também as minhas apostas. Mesmo com essas barreiras, as montadoras continuam implementando suas fábricas no Brasil.
Transição energética das frotas
O papel do gestor de frota é muito relevante nessa transição energética das frotas. Mas entendo que, diante de todas essas dificuldades, parece difícil começar. O principal caminho para os gestores é fazer parcerias e alianças internas nas empresas, como as áreas de sustentabilidade e meio ambiente e outras.
"O papel do gestor de frota é muito relevante nessa transição energética das frotas. O principal caminho para isso é fazer parcerias e alianças internas"
O primeiro passo é alterar o combustível da frota leve para etanol. Muitas vezes, isso representa pouco ou quase nada no aumento de custo, mas se reflete na redução de emissões. Com esses primeiros resultados demonstrados para área de sustentabilidade, o próximo passo é iniciar um projeto eletrificação.
A eletrificação também pode começar por uma frota executiva. Os carros elétricos têm apelo de sustentabilidade, mas também de experiência ao usuário, pois muitos elétricos já embarcam tecnologias mais avançadas em comparação aos carros a combustão da mesma categoria. Isso certamente fará com que a diretoria da companhia use, entenda e aceite o VE, apoiando uma transição da frota operacional. Com a análise da disponibilidade, custos de manutenção e abastecimento desses carros, você terá dados de economia para fazer o cálculo para as demais frotas.
Além disso, diversas locadoras já possuem VEs em suas frotas, o que pode permitir usar um rent-a-car elétrico para substituir carros da empresa em manutenção e outras situações de viagem. Isso pode servir de introdução dos usuários a esses carros.
Outra aliança importante para o gestor de frota é com a área financeira. Ao realizar análises, coloque na conta: disponibilidade, redução dos custos de manutenção, abastecimento, entre outros. Com isso, já é possível comprovar a viabilidade financeira do veículo elétrico. Cabe ao gestor fazer esta provocação: considerando que o motor elétrico tem apenas 200 peças comparadas as 2.000 dos veículos a combustão e ainda não precisa de lubrificação, você não acredita que é bem mais barato fazer manutenção nesses carros?
Futuro sustentável
Com o constante aumento das vendas, novos players se instalando no Brasil e o desenvolvimento contínuo da infraestrutura de carregamento, é provável que a adoção de VEs continue a crescer no futuro.
O carro elétrico veio para ficar, e o que é mais importante de tudo isso é entender que é uma tecnologia que será a alternativa a diversas outras soluções de descarbonização: estamos na era do “e” e não na era do “ou”.
O papel do gestor de frota nesse contexto é manter-se atualizado, atento aos cenários dentro e fora de sua empresa e na possibilidade de aplicar tecnologias mais sustentáveis. Realize essas mudanças em um, dez, 100 veículos ou na frota toda. A sustentabilidade virá com ações, e o gestor de frota é o gerador dessas ações.
Eduardo Bortotti, Especialista e executivo em gestão de frotas e de mobilidade